Os graffitis foram criados por jovens, há cerca de meio século nos Estados Unidos da América, como uma nova forma de comunicação que se apodera de alguns espaços nas cidades para reconfigurar, através da imaginação, as barreiras físicas e mentais que separam todos os que não se conformam com as regras sociais, criando espaços significativos (Awad e Wagoner, 2017) com novas linguagens, que procuram reinventar identidades coletivas (Sarmento, 2020).

Nesta mostra apresentamos fotografias feitas no Bairro de Canido, em Ferrol, na Galiza, um museu a céu aberto onde já se encontram expostas centenas de perspetivas das meninas de Diego Velázquez, com mensagens subversivas de resistência, que desafiam o público a observá-las e a relacionar-se com elas. Esta iniciativa aconteceu pela primeira vez em 2008, por iniciativa de Eduardo Hermida, um artista que decidiu retirar a arte dos museus e colocá-la num bairro deteriorado para lhe dar uma nova vida. Inspirando-se nas Meninas de Velázquez, que posavam passivamente para o artista, decidiu atribuir-lhe força e poder num lugar público. Todos os anos, na primeira semana de setembro, são convidados artistas para pintar novos graffitis e reconstruir os antigos. Deste modo, em cada esquina encontra-se uma menina. Um ato reivindicativo, de resistência, transformou um bairro periférico que as autoridades locais tinham destinado à marginalização num museu ao ar livre. Hoje existem mais de 400 meninas nas fachadas das casas de Canido.

Se antes desta intervenção artística se pintava em paredes de casas abandonadas, porque este era um bairro no qual as pessoas não queriam viver, agora pinta-se em fachadas novas, porque a arte urbana atraiu novos residentes e este tornou-se no local mais desejado da cidade para viver. Os graffitis, que só por si são antiautoritários, mudaram o espaço e alteraram comportamentos. Deste modo, este projeto cumpriu três das principais formas pelas quais a arte de rua pode criar, apoiar e estimular tanto os espaços públicos, como os sentimentos de pertença a uma comunidade: 1) embelezamento e ampliação do espaço público, gerando orgulho nos seus habitantes, que apresentam a arte do bairro aos visitantes; 2) exibição de forma aberta e direta de protestos e críticas políticas, o que por si só é uma ação política assumida por toda a comunidade; 3) demonstração de novas maneiras imaginativas de ver, tanto o mundo e a vida atual, como o passado através de “As meninas” de Velázquez, que, ao serem continuamente reestruturadas, contribuem para a reorganização do espaço e da comunidade (Boros, 2012).

Numa perspetiva deleuziana, a obra de arte do passado “As meninas”, sendo um original ao olhar comum é, segundo Deleuze (2000), a própria repetição. Esta deu origem no futuro a todas as meninas repetidas que se encontram no bairro, que não deixam de ser obras de arte e que, por terem sido repetidas, potenciaram a diferença, em vez da reprodução do semelhante ou idêntico, oferecendo à cidade uma nova linguagem de resistência e luta, que questiona as normas, valores, práticas da sociedade e, também, a conceção da própria arte. É esta diferença, enquanto subversão, que se aguarda a cada evento que se realiza em Canido e que se pretende mostrar um pouco aqui.

Referências

Awad, Sarah H., Wagoner, Brady (2017). “Introduting the Street Art of Resistance” In Awad, Sarah H., Wagoner, Brady, Street Art of Resistance. Geneva e Aalborg: Palgrave Studies in Creativity and Culture, pp. 1-16.

Boros, D. (2012). Creative rebellion for the twenty-first century: The importance ofpublic and interactive art to political life in America. New York: Palgrave.

Deleuze, G. (2000). Diferença e Repetição. Lisboa: Relógio D’Água.

Sarmento, C. (2020). Methodological Proposals and Critical Responses for the Study of Graffiti and Street Art. SAUC – Street Art and Urban Creativity, 6(2), 24 – 47.

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